O Brasil Está Perto de Restringir a Publicidade de Apostas?
Basta assistir a qualquer jogo de futebol ou abrir as redes sociais para notar: o universo das apostas virou parte da paisagem no Brasil. Está nas transmissões esportivas, nos intervalos da TV, nas placas ao redor do campo e, claro, nas camisas de quase todos os grandes clubes. Com isso, os cassinos online brasileiros ganharam visibilidade inédita — impulsionados por campanhas com influenciadores, atletas e celebridades.
Diante dessa presença massiva, o Senado aprovou no dia 28 de maio o Projeto de Lei 2.985/2023, que propõe uma série de limites à forma como as apostas podem ser anunciadas. O texto, que ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados, busca proteger o público mais vulnerável, como jovens e pessoas com histórico de endividamento ou vício em jogos.
Entre as medidas previstas, estão a proibição de personagens infantis, linguagem que sugira enriquecimento rápido e o uso de figuras públicas em atividade — exceto atletas aposentados há mais de cinco anos. Também há restrições de horário: propagandas só poderão ir ao ar entre 19h30 e 24h, tanto na TV quanto na internet, e com regras específicas para rádio.
A proposta não tenta eliminar a publicidade do setor, mas impõe um novo enquadramento. A dúvida que permanece é: isso basta para reverter os excessos atuais ou o país terá que ir além no controle desse tipo de comunicação?
Por Que o Brasil Pode Restringir Anúncios de Jogos?
O avanço do PL 2.985/2023 no Senado foi motivado por uma combinação de fatores: pressão social, dados alarmantes sobre endividamento e o crescimento acelerado da exposição de jovens a propagandas de apostas. O relator Carlos Portinho afirmou que a medida busca estabelecer limites claros, diante da incapacidade do setor de criar sua própria autorregulação.
De acordo com o Instituto DataSenado, 13% dos brasileiros com mais de 16 anos — o equivalente a 22 milhões de pessoas — participaram de apostas no mês anterior à pesquisa. Mais da metade desses jogadores vive com até dois salários mínimos mensais. Nesse contexto, a aposta mínima nas casas de apostas esportivas brasileiras, embora legal, aparece como um dos fatores que facilitam o ingresso precoce no ambiente das bets, principalmente quando combinada com publicidade dirigida.
A nova proposta proíbe publicidade com apelos enganosos, como promessas de retorno financeiro, sucesso pessoal ou alternativa à renda formal. Também veta o impulsionamento de conteúdo fora dos horários permitidos e o uso de mensagens sem consentimento prévio do usuário — como notificações em apps ou mensagens diretas.
O Senado foi unânime em aprovar a medida, mas parte dos especialistas do setor alerta para o risco de inviabilizar o modelo atual de operação das apostas no Brasil. Operadores pagam R$30 milhões pela licença e ainda enfrentam altos custos com impostos e infraestrutura. A retirada ou limitação de canais de publicidade pode impactar diretamente essas contas, afetando também o esporte — setor altamente dependente dos investimentos feitos por casas de apostas.
O desafio agora está em encontrar equilíbrio entre proteção ao consumidor e viabilidade comercial do setor.
Como Outros Países Estão Regulando a Publicidade de Apostas
O avanço da regulação sobre as apostas esportivas on-line não é exclusivo do Brasil. Diversos países já implementaram medidas para restringir ou proibir a veiculação de propagandas, especialmente voltadas a públicos vulneráveis. Abaixo estão os principais exemplos internacionais.
Reino Unido: Fim da Publicidade Durante Transmissões ao Vivo
O Reino Unido baniu propagandas de apostas durante transmissões esportivas ao vivo e proibiu o uso de atletas em atividade e influenciadores. A estratégia é evitar a associação direta entre apostas e performance esportiva, além de reduzir a exposição entre menores de idade.
Espanha: Horário Limitado e Proibição de Patrocínios em Clubes
Na Espanha, os anúncios de apostas só podem ser exibidos entre 1h e 5h da manhã. Além disso, clubes de futebol foram proibidos de estampar casas de apostas em camisas e espaços de estádio. A medida foi justificada como forma de conter o apelo excessivo entre jovens e jogadores frequentes.
Itália: Banimento Completo da Publicidade de Jogos
A Itália implementou uma das restrições mais severas da Europa: nenhuma forma de publicidade relacionada a jogos de azar é permitida — nem na TV, nem na internet. O governo argumenta que a publicidade contribui para a banalização do jogo e estimula o endividamento da população.
Holanda: Foco em Publicidade Digital e Proibição de Algoritmos
A Holanda proibiu o uso de publicidade segmentada com base em dados pessoais e determinou o fim do patrocínio de eventos esportivos por operadoras de apostas. A regulação busca impedir que algoritmos explorem perfis vulneráveis com ofertas recorrentes e persuasivas.
O Que Mudaria Para o Brasil com as Restrições
A regulamentação da publicidade de apostas impactaria diretamente operadoras, clubes de futebol, afiliados e criadores de conteúdo. Com a nova regra, marcas não poderiam mais anunciar durante eventos esportivos ao vivo, usar influenciadores ou enviar notificações promocionais sem consentimento prévio.
Clubes de futebol seriam um dos setores mais atingidos. A maioria dos times das séries A e B têm contratos com casas de apostas, muitos deles com valores que ultrapassam os R$20 milhões por ano. A restrição exigiria reestruturação imediata de campanhas, materiais promocionais e até uniformes.
Afiliados e influenciadores digitais também enfrentariam mudanças. As campanhas baseadas em engajamento e conversão — especialmente via redes sociais — perderiam alcance. Conteúdos pagos com links promocionais, vídeos patrocinados e postagens automatizadas deixariam de ser permitidos nos moldes atuais.
Para as operadoras, o corte na publicidade exigiria revisão de orçamento e realocação de verba. Isso pode gerar retração na aquisição de novos usuários, prejudicando as empresas que ainda estão se estabelecendo no mercado brasileiro — especialmente considerando o custo elevado da licença nacional e o ambiente regulatório recente.
Considerações Finais: Caminho Aberto Para a Regulação
O Brasil está em fase de transição. A proposta aprovada no Senado estabelece os primeiros parâmetros de controle da publicidade de apostas, com foco na proteção dos consumidores e na redução da exposição de públicos vulneráveis. Ainda que o texto siga para nova votação na Câmara, o posicionamento político já é claro: o modelo atual será revisto.
O desafio, a partir de agora, será ajustar o equilíbrio entre responsabilidade social e viabilidade econômica. A proteção do jogador e o combate ao jogo excessivo são metas legítimas — mas precisam ser implementadas sem inviabilizar o setor legalizado, que hoje é responsável por uma parte relevante da receita do esporte e da mídia.
A discussão não termina aqui. O avanço das plataformas, a diversidade de canais e o crescimento da base de apostadores mostram que a regulação será um processo contínuo. O mercado, os clubes e os usuários devem acompanhar esse movimento de perto.
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